21 julho 2010

PHÍLIA: sentimento de reciprocidade entre os iguais
Phília: outro si mesmo
I – INTRODUÇÃO
O texto em referência tem como finalidade analisar a concepção de phília entre os gregos, destacando os significados que aparecem nos textos gregos, desde Homero e Hesíodo até as significações encontradas em Aristóteles.
A philia é uma noção significativa na cultura grega, não somente porque abrange diversas formas de agir, mas principalmente porque fundamenta e harmoniza as relações de convivência entre os homens. Segundo a concepção dos gregos, a amizade pressupõe um bem compartilhado, almejado por todos os homens, mas difícil de ser alcançado devido às diferenças entre as pessoas e aos seus diversos interesses. Duas expressões ilustram o que os gregos pensavam sobre a amizade e se diz, de Homero a Aristóteles: “o amigo é um bem acima de outros bens” e “a verdadeira amizade uma reciprocidade na prática do bem”.
Os critérios ou os diferenciais que discriminam a amizade de outros laços afetivos são de diversos tipos. A civilização grega antiga por serem povos movidos pela imaginação mística considerava que a verdade chega aos homens por inspiração divina e teriam dito que a sabedoria plena dotada de verdade pertence ao divino, cabendo ao sábio (sophós) apenas desejá-la e amá-la, ligando-se a ela pelo laço da phília. Aquele que tem amizade pela sabedoria, e essa era uma busca de todo homem livre da polis. (Jaeger/Paidéia)
Assim, o termo phília aparece nos poemas de Homero e Hesíodo, embora com significados diferentes. A philia é uma noção significativa na cultura grega, não só porque abrange as diversas formas de ação entre os homens, mas principalmente porque fundamenta e harmoniza as relações de convivência humana em vista do bem comum. Por isso se diz de Homero a Aristóteles, que “o amigo é um bem acima de outros bens” e “a verdadeira amizade uma reciprocidade na prática do bem”.
E no que tange o pensamento dos filósofos clássicos, sobre a questão da phília, desde seus primórdios atribuíram um lugar central a amizade, não só na natureza humana, mas no próprio cosmos, além de uma busca incansável pelo próprio bem, como nos mostra Aristóteles: pensar essa questão nos impõe, de início, a necessidade de compreendermos, ao menos em linhas gerais, os principais pressupostos aristotélicos, da chamada “filosofia das coisas humanas”, fundada na ética e na política – ciência que têm como “fim”, a busca do “bem propriamente humano”, identificado, segundo Aristóteles, como a felicidade (phronesis) – definida como uma “atividade da alma conforme a virtude perfeita”.
Assim, de acordo com Aristóteles, não existe uma única, mais várias formas de amizade, constituídas não em um, mas em vários gêneros, numa multiplicidade de significados, diferentes entre si, mas que se relacionam, de uma forma ou de outra, ao bem. Mas que uma simples necessidade de ligação afetiva entre as pessoas, a philia significa essencialmente uma ação virtuosa marcada pela reciprocidade na prática do bem, sobretudo entre aqueles que convivem, principalmente na polis.
Assim a philia constitui um “bem”, tanto para a vida prática, quanto para a vida contemplativa. Ambas relacionadas como parte integrante das virtudes éticas e a vida humana em vista do “bem viver” na polis
Para os gregos a philia constitui uma espécie de “mediação” necessária a plenitude da convivência humana em todas as suas dimensões

2. Análise textual
Nos poemas homéricos e hesiódicos não aparece o substantivo phília, mas a noção aparece no adjetivo phílos. Na Teogonia ainda conserva o termo possessivo, ao passo que Os trabalhos e os dias, em que se manifesta a oposição clara a discórdia destruidora e a emulação construtiva, phílos é inserido sobre o sentido das relações humanas, como parte inerente à própria natureza humana, tal como aparece em alguns versos, entre os quais citamos
“Convida quem te ama para comer e deixa quem te odeia; sobretudo convida
Aquele que mora próximo de ti, pois se alguma coisa estranha acontecer, os
Vizinhos sem atar os cintos acorrem, os parentes não”.
Ama quem te ama e freqüenta quem te freqüenta; dá a quem te dá e ao que
Não te dá não dês”.
“Esteja seguro o pagamento acordado a um amigo. Mesmo ao irmão, sorrindo,
Impõem uma testemunha; confiança e desconfiança os homens aniquilam por
Igual”.

Assim, em pelo menos três passagens Hesíodo dispõem sobre as relações humanas acentuando um determinado valor moral à noção de amizade, embora expressando se através dos termos phílos e philotés, tal como fica patente nos preceitos do poeta sobre as condições de uma amizade verdadeira;
“O amigo não deve ser tão próximo quanto um irmão; não é de direito exigir dele tanto quanto de nós; na escolha dos amigos o critério é uma certa espontaneidade e uma determinada prudência; numa amizade verdadeira deve-se evitar a dispersão e buscar a constância e principalmente a sinceridade; pela amizade se eleva à virtude, preceitos defendidos e almejados por todo homem verdadeiramente grego”.
Assim, por meio de seus versos Hesíodo nos remete a um mundo, essencialmente rural, onde se deve, antes de tudo, estabelecer uma relação de boa vizinhança, fundada sobre a assistência recíproca, posto que:
“tem fortuna quem tem fortuna de um bom vizinho ter, nenhum só boi morreria se mau não fosse teu vizinho”.
Mas também sobre o trabalho de cada um, sem que ninguém possa se contentar em recorrer à gratuita generosidade do outro e isto consiste o seguinte preceito:
“mede bem o que tomas de teu vizinho e devolve bem na mesma medida” – pensamento defendido, também, com veemência por Aristóteles no livro V da Ética à Nicômaco, quando este fala no justo meio – ou mais ainda se poderes, para que, precisando, depois o encontre mais generoso. (Ética a Nicômaco L. V).
É este o éthos hesiódico sobre a virtude do labor. Que exige uma troca real de dons e serviços, quer entre irmãos ou entre amigos, a partir da confiança mútua e espontânea, que são os elementos constitutivos da verdadeira philótes, cujo princípio fundamental é a liberdade.
Ainda nesse contexto, notamos a questão de seu irmão Perses, que, tendo já dizimado a parte que lhe cabia na herança paterna, pretende apoderar-se da dele (Hesíodo), daí o ensinamento da justiça ao irmão. Uma vez que para Hesíodo é a diké que separa os homens dos animais.
Se na poesia hesiódica presença da phília (phílos) é recorrente, contudo, também o é em Homero, porém notamos e identificamos a questão da phília em sua poesia. A amizade se mostra no canto XVIII da Ilíada, diante do diálogo entre o herói Aquiles e a alma de Patróclo.Para os gregos antigos, a phília parece indicar uma certa disposição bem ordenada entre as partes, enquanto marca de uma determinada harmonia entre os homens, mas que também assimilada a idéia de (philantropía), é defendida como sendo, em certo sentido uma espécie de “amor à humanidade”.
Os antigos deram uma ênfase especial às tragédias, que na Grécia Antiga esse conceito nasceu da necessidade do povo de se ligar ao transcendental, nas crenças que movimentava e formava a cultura própria da época, a tradição impulsionava uma proximidade entre os homens e as divindades e para eles o antigo é sempre uma autoridade legítima. A idéia de uma lei ou de uma necessidade governando a geração, transformação e corrupção de todos os seres, num tempo cíclico, também o dualismo entre o corpo mortal e a alma imortal que precisa ser moralmente purificada para
libertar-se do corpo e gozar a felicidade perene.
Inicialmente eram os cultos ao deus Dionísio e mais tarde se estende para a formação da sabedoria, ou seja o conhecimento filosófico.
De acordo com o pensamento de Jaeger, falar em tragédia é pensar Sófocles e Ésquilo em conjunto, não sem razão Sófocles foi considerado sucessor de Ésquilo, é paradoxal falar de ambos no contexto desse trabalho, em que tratamos de phília, uma vez que a tragédia enquanto arte, acabava incentivando, estimulando o espírito de competição a medida que esta se situação no centro da vida pública e se torna expressão de ordem espiritual e estatal.
Nos trabalhos desenvolvidos por Sófocles tudo se desenvolve sem violência, nas suas proporções naturais. A verdadeira monumentalidade é sempre simples e natural. Os homens desse tragediógrafo não tem aquela rigidez pétrea, saída do solo próprias das figuras de Ésquilo que a seu lado parecem imóveis e rígidas. Sófocles se destaca como criador inato de caracteres ao contrário de seu predecessor. E que nada é mais alheio a um verdadeiro caráter do que a arbitrariedade de uma fantasia caprichosa. A impressão indelével causada por Sófocles sobre o homem atual, a base da sua imortal posição na Literatura universal, são os seus caracteres. Segundo Jaeger, essa sobrevivência isolada das figuras enquanto tais jamais teria podido ser obtida pelo mero domínio da técnica cênica, cujo efeito é sempre momentâneo. Talvez nada custe mais a compreender do que o enigma da sabedoria tranqüila, simples e natural, com que ele ergueu aquelas figuras humana de carne e osso, repletas das paixões mais violentas e dos sentimentos mais ternos de grandeza heróica e altiva e de autêntica humanidade, tão semelhantes a nós e ao mesmo tempo dotadas de tão alta grandeza são das suas figuras humanas*.
É para o homem eterno corajoso e sereno perante a dor e a morte que ele orienta a sua imagem, revelando assim a sua real e genuína consciência religiosa. É em Sófocles que culmina a evolução da poesia grega, considerada como processo de objetivação progressiva da formação humana. Só a esta luz poderemos compreender, no seu sentido

pleno, o que dissemos acima sobre as figuras trágicas de Sófocles. O seu mérito não provém do campo formal, mas enraíza-se numa dimensão do humano em que o estético, o ético e o religioso se interpenetram e se condicionam reciprocamente.
Mas na tragédia de Sófocles, e principalmente de seus personagens, interpenetram-se de modo muito especial forma e norma. Jaeger explica ainda que, foi o próprio poeta que breve e certeiramente afirmou sobre eles não serem homens da realidade cotidiana, mas sim figuras ideais. A arte com que Sófocles cria os seus caracteres é constantemente inspirada pelo ideal de conduta e da sociedade do tempo de Péricles. Na medida em que aprendeu esta conduta no que a sua essência tem de mais profundo tal como a deve ter experimentado em si próprio, Sófocles humanizou a tragédia e fez dela o modelo imortal da educação humana, de acordo com o espírito inimitável do seu criador.
É sob esse víeis que destacamos a obra Filoctetes de Sófocles, a fim de destacar-mos a questão da phília, uma vez que o homem ocupa o centro da obra duma maneira não conhecida antes.
Filoctetes tratado nos Cantos Cípricos e na Pequena Ilíada, relata que, na sua expedição troiana, os Gregos tinham abandonado Filoctetes na ilha de Lemnos. A sua ferida incurável, supurante e nauseabunda, causada pela mordedura duma serpente, tinha-o tornado insuportável para os outros. Quando faltava pouco para acabar a campanha, tiveram que ir buscá-lo, pois um oráculo afirmava que Tróia não poderia ser conquistada a não ser que Filoctetes participasse na luta com seu arco maravilhoso, que outrora tinha sido arma de Héracles
Sófocles desenvolve um drama cujo conteúdo diz respeito a valores como amizade, lealdade e as questões éticas sempre atuais como, “seria válido utilizar meios duvidosos para obter um ganho, ainda que em benefício de uma causa maior”. “o que importa realmente, a reação em si mesmo ou o fim a que visa?”. “Qual o melhor meio de atingir um objetivo: dolo, violência ou persuasão?”.
Daí a manifestação da ira de Filoctetes que se mostra pelo fato deste ter sido visto dentro de sua sociedade como homem, como ser humano, mas sim, como uma máquina que deveria servir a sociedade quando necessário. Ulisses aparece nessa tragédia como o inverso do herói de Odisséia, como um ser sem escrúpulo e capaz de fazer qualquer coisa para obter o que deseja.
É na relação entre Filoctetes, Neoptólemo e Ulisses que se observa a profundidade abordada por Sófocles, no que tange a moral, a phília e aos problemas do homem dentro da sociedade.
Assim, podemos notar o momento em que Filoctetes se angústia e pede uma morte igual
a de Héracles (Traquínias), o que Neoptólemo será o herdeiro do arco, como ele mesmo,
Filoctetes, o foi de Héracles em uma situação análoga. Por duas vezes, Filoctetes dirigi-se a Neoptólemo chamando-o Herói, assim lembrando o que espera dele. Posteriormente, ao suplicar-lhe que não o abandone em um gesto de confiança, o herói dispensa o jovem de um juramento formal, insinuando que o verdadeiro herói permanece leal a um amigo, sem que seja necessário nenhuma sansão religiosa. Observemos que, para Filoctetes, auxiliar um amigo, é próprio de sua ética aristocrática, uma ética em que ele e Aquiles compartilham (e que, portanto, supõe-se, deve ser partilhada por Neoptólemo). Dessa forma, a ética de Filoctetes é guiada pelo princípio de ajudar os amigos e prejudicar os inimigos. Como pode ser observado no decorrer da peça de Filoctetes...
“Ai, ai, ai, ai!!
Ó estrangeiro cefalênico, se ao menos pudesse
Essa dor transpassar teu peito! Ai, ai, ai!!
Par de generais, Agamêmnon e Menelau, como gostaria
Que nutrísseis esta doença em meu lugar, pelo mesmo tempo”.











Em Aristóteles a phília tem outros significados:
A Ética a Nicômaco tem por finalidade investigar, o bem propriamente humano, não enquanto “bem em si”, mas enquanto “bem para nós”, esse bem visa a vida com o outro, que pode ser realizado e alcançado pelo próprio homem . O bem em si, não pode ser tomado como objeto das ações humanas, que são sempre contigentes e mergulhadas na materialidade. A idéia de bem absoluto, pensado necessariamente, como perfeito imóvel e necessário cede lugar, ao bem relativo ao homem, possível de ser realizado e de ser alcançado por meios das ações concretas dos homens. Deste modo, não pode ser compreendido como um termo comum, universal e unívoco, que remeteria sempre ao mesmo significado, mas, tal como o “ente” – to ón -, é tomado em múltiplos sentidos ou acepções. Portanto, sendo diversos para cada ação, para cada arte e para cada homem, o bem é sempre “isto em vista do que” todo o resto é feito, aquilo, em vista do qual todas as ações são ordenadas: o bem é fim, pois é em vista deste fim que realizamos todo o resto.
Para Aristóteles, a busca do bem, portanto, a ação moral, só tem sentido se relacionada ao homem, pois há certos bens que o homem pode adquirir e outros não; alguns são acessíveis, outros o são só para seres superiores a nós.
De acordo com Aristóteles, é na busca do bem para nós que reside toda a felicidade da ação humana. A Ética a Nicômaco se insere nesta perspectiva, pois visa determinar qual é o bem supremo para o homem e qual a finalidade da vida humana. Este bem, conforme Aristóteles, é aquilo que buscamos não como meio para atingirmos um fim ulterior. Mas como um fim último relativamente ao qual os demais resultados de nossa atividade aparecem como fins intermediários. Esse fim “parece” ser a “felicidade” (phronesis), pois nós a procuramos sempre por ela mesma e jamais por outra coisa.
De acordo com Aristóteles, uma reflexão mais profunda sobre a phronesis, passa necessariamente, pela compreensão da natureza humana, mas precisamente da ação do homem, uma vez que o bem para o homem só pode consistir na ação que lhe é peculiar, isto é, na ação que ele, e só ele pode realizar, assim como, em geral, o bem de cada coisa consiste naquilo que é peculiar a cada coisa. Assim, para saber qual é a ação própria do homem, Aristóteles estabelece que a ação própria do homem, não pode ser o simples viver, pois este é comum também às plantas, assim como não pode ser o sentir, dado que a sensação também é comum aos animais. Mas sim, assegura Aristóteles, a ação própria do homem é a atividade da alma segundo a razão. A partir deste princípio, Aristóteles argumenta da seguinte forma: visto que são várias as atividades da alma segundo a razão, devemos considerar em qual delas reside o “bem próprio do homem”. Para isto, recorre à noção de bem e conclui que “o bem próprio do homem é a atividade da alma segundo a virtude e se múltiplas são as virtudes, segundo a melhor e a mais perfeita”.
Portanto, é a excelência ou a perfeição da atividade conforme a razão que constitui a “virtude” própria do homem e é nela que reside seu bem mais supremo, a felicidade.
Entretanto, a felicidade não pode ser entendida como um bem que se possui à maneira de uma propriedade, e é um simples estado habitual, pois a simples posse de um bem ou a simples disposição de hábitos são compatíveis também com a inatividade ou até mesmo com o sono. Ora, é unicamente no exercício, na atualização e na utilização que dela é feito para produzir efetivamente a ação, que se pode alcançar a felicidade. Do mesmo modo que nos jogos olímpicos, não os mais belos e nem os mais fortes que conquistam a coroa, mas aqueles que competem, assim também é na vida, pois somente aqueles que agem retamente chegam a felicidade. A felicidade reside, portanto, no exercício bem sucedido de nossas ações mais altas, na perfeita atualização das potencias e disposições que fazem de nós homens: a felicidade nada mais é do que a plena realização de nós mesmos.
Os livros VIII e IX da Ética à Nicômaco trata do problema da philia, a qual aparece vinculada a questão da virtude. Ambas dependem, uma da outra, ou seja, nem a virtude pode ser desvinculada da philia, bem como a philia não pode ser desvinculada da virtude. A virtude não pode ser compreendida sem a luz da reflexão sobre a philia, evidenciado pelo próprio Aristóteles:

“Depois do que dissemos, segue-se naturalmente uma discussão da amizade, visto que ela é uma virtude ou implica à virtude, sendo, além disso, sumamente necessária à vida. Porque sem amigos ninguém escolheria viver, ainda que possuísse todos os outros bens”. (Aristóteles - Ética à Nicômaco L. VIII)
Esta afirmação é central em toda a discussão sobre a philia, não só porque situa o tema em questão, mas, acima de tudo, porque norteia, de fato, o sentido de philia, enquanto “um bem propriamente humano”. Essencialmente limitado às relações humanas.
No livro I, capitulo 13, Aristóteles diz que “já que a felicidade é uma atividade da alma conforme a virtude perfeita, devemos considerar a natureza da virtude: pois talvez possamos compreender melhor, por esse meio, a natureza, à natureza da felicidade”. E diz ainda, “A virtude que devemos estudar é fora de qualquer dúvida, a virtude humana; porque humano era o bem e humana era a felicidade que buscávamos”. Nesse contexto aparece a “aretê” como fundamento do “bem para o homem”, por isso, deve ser compreendida ou, pelo menos estudada, se quisermos compreender a natureza e a essência deste bem, aceito unicamente como sendo. Este é o caminho indicado e percorrido por Aristóteles.
No livro VIII Aristóteles dizia que toda forma de amizade envolve associação. Entretanto pode se distinguir das outras a amizade dos familiares e a dos camaradas.
A amizade entre os cidadãos, membros de uma tribo, companheiros de viagem, e outras desse tipo, assemelham-se mais às amizades de associação, pois parecem basear-se em uma espécie de pacto. Nesta classe poderíamos incluir a amizade ligada à hospitalidade.
A própria amizade entre familiares, embora sejam de várias espécies, parece ser em todos os casos como aquela entre pais e filhos, pois os pais amam os filhos como parte de si mesmos, e os filhos amam os pais por terem se originado deles (...). Logo, para Aristóteles os pais amam seus filhos em virtude de sua existência separados são como que uma outra encarnação dos pais (...) Para tanto segundo Aristóteles os seres humanos vivem juntos não só para procriarem-se, mas também para os vários propósitos da vida. Desde o início são dividas as funções, e as do homem e as da mulher são diferentes: assim eles se ajuntam um ao outro fazendo de seus dotes individuais um patrimônio em comum. Para tanto a utilidade quanto o prazer parece ser encontrados nesse tipo de amizade, no entanto pode também se basear na virtude se as duas partes são boas, pois cada uma possui sua própria forma de virtude, e ambas se comprazem nisso.
Daí a questão da justa medida em Aristóteles (...) Então se a amizade é da espécie que visa à utilidade, certamente a vantagem para o beneficiado é a medida, pois é este que solicita o serviço e o outro o ajuda supondo que irá receber uma retribuição equivalente. Assim, dizia Aristóteles, a ajuda terá sido exatamente igual à vantagem do beneficiado, o qual, portanto, deve retribuir com o equivalente do que recebeu, ou mais (pois isso seria mais nobre).
Por outro lado, segundo o filósofo, nas amizades que se baseiam na virtude não surgem queixas; aqui, a intenção do benfeitor é uma espécie de medida, uma vez que a intenção se encontra o elemento essencial da virtude e do caráter.
Para Aristóteles é essa, a maneira pela qual nós deveríamos associar com desiguais: o homem que é beneficiado com o respeito à riqueza ou a virtude deve retribuir com honras, compensando o outro na medida de sua capacidade. Com efeito, a amizade pede a um homem que faça o que pode e não o que proporcional aos méritos do caso, visto que isso nem sempre é possível (...)
Aristóteles fala ainda, no livro IX acerca da permanência da philia, pois para ele deve se examinar constantemente as relações, ou seja, quando a outra parte não permanece a mesma. Talvez se possa dizer que não há nada de estranho em romper uma amizade baseada na utilidade ou no prazer quando nossos amigos já não possuem tais atributos, já que foi por causa destes que nos tornamo0s amigos, e quando eles deixam de existir é razoável que não se sinta mais amor. Mas poderíamos queixar-nos de um outro que, nos tendo amado por prazer ou interesse, simulou amar-nos por causa de nosso caráter. De fato, diz ele, como dissemos de início, n o mais das vezes os desentendimentos entre amigos surgem quando não são amigos dentro do espírito em que pensam sê-lo. (...)
Desse modo, quando um homem iludiu a si mesmo acreditando que era amado por seu caráter e a outra pessoa nada fez para que ele pensasse assim, esse homem deve culpar a
si próprio e a ninguém mais; entretanto, quando iludido pelo fingimento da outra pessoa, é justo que se queixe de quem o enganou, muito mais até do que quando nos queixamos de falsificadores de moedas, uma vez que o mal nesse caso se relaciona a uma coisa mais valiosa que o dinheiro (...). Contudo ninguém acharia estranho que uma pessoa rompesse uma amizade desse tipo, pois não era por alguém dessa espécie que ela sentia amizade, e já que seu amigo mudou e ele não pode regenerá-lo, é justo que o abandone.
(...) Devemos então tratar um ex-amigo como se nunca tivéssemos tido aquela relação de amizade? Certamente devemos conservar uma lembrança de nossa intimidade de outrora, e da mesma forma que pensamos que devemos ser mais atenciosos com os amigos que com os estranhos, também no caso dos que foram nossos amigos devemos levar em consideração a amizade passada, desde que o rompimento não tenha acontecido por causa de um excesso de maldade.
Segundo Aristóteles, os homens desejam compartilhar com seus amigos aquilo que para eles, a existência significa, e aquilo que, segundo supõem, dá valor a vida.
Nesse sentido, os amigos são os melhores bens que se possa desejar. Uma vez que para Aristóteles a philia constitui um “bem” tanto para a vida prática, quanto para a vida teorética, uma vez que, na presença ou na companhia dos amigos, é muito mais fácil atingir a finalidade da ação e da contemplação.
Essa é uma razão pela qual se diz de Homero a Aristóteles, que a verdadeira amizade é um bem a ser cultivado e a inimizade um mal a ser combatido, visto que segundo Aristóteles, a amizade é uma virtude ou algo que participa da virtude e, além de necessária e, um bem propriamente humano. (Jaeger/2003)
Assim sendo, a philia é não só uma “condição” importante para a vida na comunidade, mas uma espécie de “mediação” necessária para a perfeição da obra humana, cuja finalidade essencial é a busca do “bem viver” na polis, principalmente naquela onde há boa educação, leis justas, governantes e cidadãos virtuosos.

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